Interpretação do Instituto Totum sobre o pleito de organizações inventariantes para utilização de Certificados de Garantia de Origem de Biometano no relato de inventários de emissões de gases de efeito estufa conforme GHG Protocol.

Observação: as condições abaixo listadas somente serão aplicadas para verificação de inventários de organizações inventariantes que solicitem a utilização de instrumentos de mercado de garantia de origem de biometano no seu processo de verificação com referência às regras internacionais do GHG Protocol. As regras de interpretação abaixo descritas não serão automaticamente aplicadas para processos de verificação conduzidos com referência ao Programa Brasileiro GHG Protocol, cujas diretrizes são definidas pela Fundação Getúlio Vargas – Centro de Estudos em Sustentabilidade. As organizações inventariantes que desejarem usar as regras descritas neste documento para o Registro Público de Emissões do Programa Brasileiro GHG Protocol devem aguardar um posicionamento formal do gestor do programa.

1 – Sobre o Instituto Totum

O Instituto Totum é um Organismo de Verificação de Inventários de GEE (OVV) acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação do INMETRO (sob o número OVV 0009), com escopo baseado na ABNT NBR ISO 14065 e execução conforme a ABNT NBR ISO 14064-3.

Ao longo da última década, o Instituto Totum realizou mais de 450 verificações independentes de inventários de GEE, com base no GHG Protocol e no Programa Brasileiro GHG Protocol, consolidando liderança técnica nesse campo.

2 – Contexto regulatório e de padrões

GHG Protocol: Em agosto de 2023, o GHG Protocol publicou uma atualização interina sobre certificados de biometano. O Secretariado do GHG Protocol comunicou que, até a conclusão do processo de revisão do uso de instrumentos de mercado, “não há orientação definitiva” sobre o uso de certificados de biometano para ajustar emissões de Escopo 1 e 3, texto original abaixo:

“This communication provides an interim update on the treatment of biomethane certificates under the GHG Protocol. It explains the history of considering this issue under the GHG Protocol and explains a process to consider the use of biomethane certificates in the future. In the meantime, there is no definitive guidance on this question under the GHG Protocol. In the absence of guidance, companies purchasing certificates may wish to consult with their auditors and consider rules provided by relevant target-setting programs or applicable regulatory schemes in their jurisdiction(s) on how to report these purchases in their reports, while ensuring full transparency and following all GHG accounting and reporting principles”.

Explicação: o GHG Protocol reconhece que o tema está em revisão; até lá, orienta organizações inventariantes a consultar seus auditores e observar esquemas regulatórios aplicáveis com transparência e princípios de contabilidade. O mesmo comunicado reforça como relatar a combustão de bioenergia (CO₂ biogênico separado dos escopos; CH₄ e N₂O nos escopos cabíveis); e cadeias Upstream no Escopo 3, categoria 3.

Contexto Regulatório Brasileiro:

Lei nº 14.993/2024 (Combustível do Futuro): cria o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano e define o CGOB como certificado de rastreabilidade do biometano.

Decreto nº 12.614/2025(regulamenta a Lei 14.993/2024): Estabelece definições, papéis (emissor primário, escriturador, entidade registradora) e regras de emissão, registro, negociação, aposentadoria e divulgação pública de CGOB e certificados similares fungíveis. Permite a negociação do CGOB (atributo ambiental) separada da molécula física de biometano, desde que haja comprovação de destino da molécula sem aproveitamento do atributo ambiental e registro para evitar dupla contagem; reconhece aposentadoria do CGOB quando o atributo é incorporado a produtos, processos ou inventários.

3 – Iniciativas nacionais e internacionais relevantes

O Instituto Totum participa e acompanha iniciativas que promovem o reconhecimento de instrumentos de mercado (atributos ambientais) para combustíveis renováveis. Destacamos a campanha Let Green Gas Count, que reúne mais de 140 entidades globais com o objetivo de alertar o GHG Protocol para que reconheça instrumentos de mercado robustos no Escopo 1 e 3 (como certificados de biometano/Renewable Natural Gas) para fins de relato corporativo, inclusive como combustível e matéria-prima. Trechos e síntese:

“…urge the GHG Protocol to include a market-based approach in Scope 1/3 inventory, for both fuel and feedstock applications…”

Carta conjunta e Recomendações de alto nível (2025) para padronizar critérios de qualidade, relato por escopo e harmonização internacional.

Destacamos também o trabalho realizado pela organização Center for Resource Solutions (CRS), organização sem fins lucrativos sediada nos Estados Unidos que trabalha para promover a sustentabilidade no setor energético, criando soluções de mercado e políticas para aumentar o uso de energias renováveis. Em Abril de 2025, o CRS publicou o documento “Market-Based Accounting for Clean Fuels”. O objetivo foi apresentar uma recomendação para o mercado norte-americano e global sobre como relatar certificados de garantia de origem de combustíveis limpos (Clean Fuels) em inventários corporativos. Essa iniciativa busca preencher a lacuna deixada pelo GHG Protocol e oferecer mais segurança às organizações inventariantes. Segundo o CRS, a falta de clareza do GHG Protocol pode, por conta de sua morosidade, impedir que essas organizações inventariantes atinjam seus objetivos de descarbonização.

No contexto brasileiro, no ano de 2024, o próprio Instituto Totum recolheu assinaturas para um abaixo assinado entregue pessoalmente à organização responsável pelo Programa Brasileiro GHG Protocol, solicitando que instrumentos de mercado ligados ao biometano, como certificados de garantia de origem, fossem aceitos no contexto do Programa Brasileiro GHG Protocol. Até a presente data, o Instituto Totum não recebeu retorno formal ou informal a respeito do pedido.

4 – Entendimento técnico do Instituto Totum para o Brasil no âmbito internacional do GHG Protocol (a partir da vigência do Decreto nº 12.614/2025)

Considerando:

O Instituto Totum estabelece o seguinte posicionamento técnico para organizações inventariantes que solicitarem verificação de seus inventários de gases de efeito estufa pelas regras internacionais do GHG Protocol e com o uso de instrumentos de mercado para garantia de origem de consumo de biometano.

4.1. Parecer positivo para empresas que apresentarem, como evidência para o consumo de gás renovável, Certificados de Garantia de Origem de Biometano (CGOB e equivalentes) para o relato de consumo de gás para os Escopos 1 e 3

A partir deste comunicado, o Instituto Totum dará parecer positivo para o pleito de uso de Certificados de Garantia de Origem de Biometano (CGOB) ou certificados equivalentes como evidências em verificações de inventários de GEE de organizações que consomem gás (CH₄). Esses certificados demonstrarão o consumo de combustível ou matéria-prima renovável (biogênica) para fins de relato nos Escopos 1 e 3. A validação ocorrerá mesmo que não haja coincidência física da molécula na mesma rede de entrega, sempre limitado ao volume de gás consumido pela inventariante. Para o parecer positivo, é fundamental que todos os requisitos do Decreto nº 12.614/2025 e das normas complementares da ANP sejam atendidos, incluindo emissão, registro, transferência, aposentadoria e a não-dupla-contabilização. 

4.2. Critérios de qualidade e integridade – analogia ao “Scope 2 – Quality Criteria”

Em linha com a lógica de instrumentos contratuais do Escopo 2 do GHG Protocol (critérios de qualidade para o método “market-based”) e com os requisitos da Lei e Decreto supracitados, os CGOB (ou certificados similares fungíveis) usados para declaração em Escopo 1 ou Escopo 3 (quando usado como matéria-prima) devem observar critérios de qualidade análogos, adaptados ao gás, incluindo: rastreabilidade única (nº de série), unicidade, tipo de substrato, elegibilidade temporal, localização/escopo de aplicação, intensidade de carbono (opcional), verificação independente e aposentadoria única para eliminar risco de dupla contagem. 

4.3. Condições documentais mínimas para aceite de CGOB (ou certificados equivalentes)

4.4. Tratamento quantitativo das emissões

4.5. Contratos legados e período de transição para contratos anteriores de fornecimento de biometano físico sem CGOB ou certificado de garantia de origem similar fungível

4.6. Abrangência da interpretação

As condições acima listadas somente serão aplicadas para verificação de inventários de organizações inventariantes que solicitem seu processo de verificação com referência às regras internacionais do GHG Protocol. As regras de interpretação acima descritas não serão automaticamente aplicadas para processos de verificação conduzidos com referência ao Programa Brasileiro GHG Protocol, cujas diretrizes são definidas pela Fundação Getúlio Vargas – Centro de Estudos em Sustentabilidade. As organizações inventariantes que desejarem usar tais regras devem aguardar um posicionamento formal do gestor do Programa Brasileiro GHG Protocol.

5 – Relação entre o marco brasileiro e a orientação do GHG Protocol

A atualização interina de agosto de 2023  afirma que não há orientação definitiva e que, na ausência de orientação, as organizações inventariantes devem seguir regras regulatórias aplicáveis em sua jurisdição, com transparência e consulta aos auditores — exatamente o caso brasileiro, agora com Lei 14.993 e Decreto 12.614 que instituem o CGOB (e certificados similares fungíveis) e sua operacionalização (emissão, registro, aposentadoria, divulgação).

O posicionamento do Instituto Totum  alinha-se ao espírito do GHG Protocol (uso de instrumentos de mercado sob critérios de qualidade e transparência) e à regulação brasileira, oferecendo segurança contábil a organizações inventariantes e integridade ambiental (vedação à dupla contagem, aposentadoria única), assim como às iniciativas internacionais como “Let Green Gas Count” e CRS – Center for Resources Solutions.

6 – Conclusão Técnica

À luz do marco legal brasileiro (Lei 14.993/2024 e Decreto 12.614/2025) e da atualização interina do GHG Protocol (Agosto/2023), o Instituto Totum como Organismo de Verificação e Validação (OVV) acreditado pela Coordenação Geral de Acreditação do INMETRO (CGREC), acatará o pleito das organizações inventariantes pelo uso de CGOB (e certificados fungíveis equivalentes que sigam as mesmas regras) para relato de consumo de biometano em Escopo 1 e Escopo 3 por consumidores de gás (CH₄), condicionado a: (i) conformidade regulatória integral (emissão, registro, titularidade e aposentadoria em plataforma de registro); (ii) critérios de qualidade estabelecidos na Lei e Decreto supracitados e análogos aos de instrumentos de Escopo 2; (iii) evidências documentais que assegurem unicidade e não-dupla-contabilização; (iv) solicitação da organização inventariante que o critério de verificação siga o GHG Protocol (regras internacionais).

Observação: a aceitação do uso de instrumentos de mercado para garantia de origem do biometano para fins de conformidade com o Programa Brasileiro GHG Protocol dependerá de posicionamento formal da Fundação Getúlio Vargas e este comunicado ao mercado não cobre os processos de verificação de inventários conforme as regras do Programa Brasileiro GHG Protocol e Registro Público de Emissões do mesmo Programa.

Este entendimento não converte atributos em créditos de carbono, nem altera as regras de contabilização de CO₂ biogênico; trata, sim, da evidência aceita para qualificar o insumo energético/matéria-prima como renovável (biogênico) para Escopo 1 ou Escopo 3 do inventário. Ao fazê-lo, o Instituto Totum apoia a integridade ambiental, a transparência e a escalabilidade da descarbonização setorial, em consonância com os padrões internacionais em evolução e com a norma brasileira vigente.

O entendimento deste comunicado poderá ser atualizado caso o GHG Protocol publique orientação definitiva sobre biometano/atributos no Escopo 1 e Escopo 3 ou a ANP/CNPE editem regulamentação adicional ao Decreto nº 12.614/2025 ou a Fundação Getúlio Vargas como gestora do Programa Brasileiro GHG Protocol publique orientação definitiva para o Registro Público de Emissões no âmbito do Programa.

Referências principais:

*Essa declaração reflete apenas a interpretação técnica do Instituto Totum na data de sua emissão. Eventuais divergências entre a regulamentação final e o conteúdo deste parecer não ensejam qualquer responsabilidade legal, técnica ou financeira por parte do Instituto Totum. Decisões baseadas neste parecer são de exclusiva responsabilidade das Partes Interessadas.

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