O aumento da geração de energia elétrica advinda de fontes renováveis tem sido cada vez mais sendo impulsionado pela demanda de mercado e menos por políticas de subsídios governamentais. Apesar disso, não devem ser negligenciadas as iniciativas legislativas locais ligadas à geração de energia limpa e crescente descarbonização da matriz elétrica, que ainda são importantes para a ampliação desse mercado.
O mercado energético no Brasil e na América Latina mostra crescente sofisticação nos últimos anos. Gradativamente, a energia elétrica deixa de ser uma simples commodity direcionada pelo menor preço para se tornar um produto mais complexo, alinhado às diretrizes de sustentabilidade das corporações. Mais e mais organizações com atuação global possuem metas de usar 100% de energias renováveis.
Mas como fazer isso? A tabela abaixo mostra os instrumentos existentes para que corporações latino-americanas possam adquirir energia renovável. Uma das ferramentas é o Certificado de Energia Renovável (REC). Os mercados de REC são importantes para dar transparência, credibilidade e, principalmente, poder de escolha aos consumidores de energia. Nem todas as empresas têm condições de investir em uma usina para gerar sua própria energia renovável. A saída, então, é receber a energia da forma tradicional e adquirir o volume de energia equivalente ao consumo por meio de certificados.
Opções para compra corporativa de energia renovável (Fonte: IRENA, 2018)
Ao comprar RECs, as empresas são abastecidas com a energia da rede local, geralmente um mix de fontes renováveis (hídrica, eólica, solar) e não renováveis (térmicas à óleo, gás ou nucleares). Em troca, investem na geração da mesma quantidade consumida em energia limpa, ou seja, apropriam-se somente da parte limpa que é colocada no sistema. Com os RECs, as empresas podem garantir 100% de energia renovável para seu uso sem ter necessariamente de investir, elas próprias, em geração.
Enquanto na Europa o mercado de Garantias de Origem (GO) tornou-se maduro há poucos anos e tem crescido em termos de importância e volumes transacionados, na América do Norte, o sistema de RECs continua a liderar as novas fontes renováveis. Em outros mercados do mundo, o Irec Standard (sistema global que possibilita o comércio de certificados de energia renovável) desenvolve-se rapidamente, oferecendo às autoridades locais e participantes do mercado um padrão confiável para a compra de energia renovável em mais de 20 países.
Grande parte desse crescimento global é impulsionado por corporações que se responsabilizam pelas suas emissões de gases de efeito estufa e reconhecem o impacto ambiental das suas escolhas de compra de energia.
Na América Latina, seis países possuem usinas registradas na plataforma Irec: México, Guatemala, Honduras, Colômbia, Chile e Brasil. Ao todo existem 66 unidades de geração de energia registradas, sendo 37 usinas da categoria eólica, 20 hidrelétricas de grande e pequeno porte (PCH), 6 usinas solares fotovoltaicas e 3 usinas de biomassa. Nos últimos quatro anos já foram emitidos e transacionados mais de 2,6 milhões de RECs na América Latina, sendo que Colômbia e Brasil lideram esse ranking, respondendo por mais de três quartos desse total.
No caso brasileiro, especificamente, o mercado de RECs tem surpreendido positivamente, com crescimento vertiginoso nos últimos quatro anos, alcançado mais de 570 mil certificados. Esse ano deverá ser alcançada a marca de 1 milhão de certificados transacionados.
O nível de adesão de usinas de geração de energia renovável cresce de forma contínua desde o lançamento, em 2013, do Programa Brasileiro de Certificação de Energia Renovável (REC Brazil). No início, o programa contava com apenas quatro usinas. Hoje já são mais de 50 empreendimentos de todas as categorias de fontes renováveis (eólica, hídrica, solar e biomassa), com potencial de geração de cerca de 10 TWh.
Para se ter uma ideia, essa quantidade de energia é suficiente para abastecer o consumo residencial da cidade de São Paulo durante o período de 12 meses, considerando um consumo médio residencial em torno de 160 kWh por mês (1,920 MWh/ano).
Outro motivador do mercado de energias renováveis é a gradativa adoção de instrumentos de precificação de carbono na América Latina. Atualmente seis países possuem algum tipo de ação relacionada ao mercado de carbono:
– México, Colômbia e Chile possuem taxas de carbono implantadas ou já programadas, além do estudo de mercado de emissões.
– Argentina possui taxas de carbono implantadas ou já programadas.
– Guiana Francesa está inserida no mercado de carbono adotado pela França.
– Brasil possui estudos de precificação de carbono liderados pelo Ministério da Fazenda, além do RenovaBio, um programa de descarbonização da matriz de combustíveis no Brasil.
No Brasil, há planos para maior liberalização do mercado de energia elétrica, consolidados na Consulta Pública número 33 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Entre as várias ações discutidas, uma em estudo pelo governo é a criação de mercados regulados de atributos ambientais da energia, de modo a permitir que os RECs possam ser usados como instrumento de políticas públicas e programas regulatórios. Outras ações visam diminuir a potência para que empresas possam migrar para o mercado livre e escolher o fornecedor de energia de sua preferência.
*Fernando Giachini Lopes é engenheiro de Produção e diretor do Instituto Totum, certificadora responsável pela emissão de RECs no mercado brasileiro, dentro do padrão Irec Standard.
FONTE: Página 22