O INPI já emitiu 38 registros de Indicação Geográfica, mas o número de regiões com potencial para a certificação é bem maior

O local de origem de uma mercadoria é, em alguns casos, sinônimo de alta qua­lidade. Presunto Parma, Vinho do Porto e Champagne são alguns exemplos que se tornaram conhecidos internacionalmente desta forma. Mais do que o sabor ou aspecto característico, eles costumam ter condições de produção diferenciadas, o que é determi­nante para um resultado final que conquiste o gosto do cliente mais exigente. Para garan­tir a qualidade destes produtos, cada região costuma adotar algum tipo de controle de proveniência. No Brasil, esta certificação é feita pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que fornece o certificado de Indicação Geográfica (IG) de acordo com a lei nº 9.279, que dispõe sobre a proprieda­de industrial no País.

A certificação pode ser obtida em dois níveis: a Indicação de Procedência (IP), que sinaliza o lugar de fabricação ou extração de um produto ou serviço; e a Denominação de Origem (DO), que atesta que suas caracte­rísticas se devem essencialmente ao local de produção. Desde o final da década de 1990, quando a certificação começou a ser conce­dida, até dezembro de 2013, o INPI emitiu 38 registros nacionais de Indicação Geográfica – 30 Indicações de Procedência e oito Deno­minações de Origem. No entanto, o número de regiões com potencial para a certificação no País é bem maior: aproximadamente 230, de acordo com levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). São as regiões de produção dos Queijos coalhos do Nordeste, da Erva-mate de Santa Catarina e do Cacau do Purus, na Amazônia, entre outros.

“Cabe aos técnicos do Mapa identificar as regiões potenciais e sensibilizar os pro­dutores quanto ao uso desta ferramenta da Propriedade Industrial, que será de uso e de gestão dos próprios produtores”, explica Caio Rocha, porta-voz da Secretaria de De­senvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Mapa. Desde 2005, o ministério pres­ta apoio ao registro da certificação através da Coordenação de Incentivo à Indicação Geo­gráfica (CIG), que atua em parceria com as Superintendências Federais de Agriculturas (SFA) de cada estado. Até o ano passado, fo­ram apoiados 25 projetos, com investimento total de mais de R$ 2.600 milhões. Além da ajuda financeira, as superintendências aju­dam os produtores no processo de solici­tação do registro, que envolve a elaboração de uma série de documentos. “É necessário muita determinação e apoio a esses produ­tores, que, em certas ocasiões, não possuem um perfil empreendedor”, avalia.

Articulação de produtores

As certificações abrangem toda zona de cultivo de um produto típico. Por isso, o primeiro passo para solicitar a indicação de procedência é articular os produtores locais através de uma associação ou cooperativa. No Cerrado Mineiro, uma das primeiras re­giões do País a solicitar o registro, em 1992 os cafeicultores fundaram com este objetivo o Conselho das Associações de Cafeicultores do Cerrado – que, desde 2002, atua como Federação dos Cafeicultores do Cerrado, agregando as demais associações e coope­rativas locais.

A principal motivação dos ca­feicultores, na época, era combater a venda de cafés que se valiam da fama da região de forma desonesta. “Quando nosso território passou a ter notoriedade, foi necessário buscar esta ferramenta de proteção de ori­gem”, diz Juliano Tarabal, superintendente da Federação de Cafeicultores do Cerrado. Atualmente a região está entre os 20 maiores fornecedores de café expresso no mundo e exporta em torno de 70% da produção, atu­ando no mercado da Europa, Estados Uni­dos e Japão.

No caso da cidade mineira de Salinas, conhecida internacionalmente como Ca­pital da Cachaça, a criação da Associação de Produtores Artesanais de Cachaça de Salinas (Apacs), em 2001, foi motivada pela dificuldade dos pequenos produtores de se colocar no mercado. A decisão de pedir a indicação de procedência foi tomada oito anos depois, quando vislumbraram a pos­sibilidade de perder a identidade da sua mercadoria. Como aconteceu com os cafés do cerrado mineiro, fabricantes começaram a tirar proveito da fama da cidade para ven­der cachaças produzidas em outros lugares.

Atualmente o grupo representa 25 produ­tores artesanais, que possuem cerca de 52 marcas de cachaça artesanal. Entre elas, a cachaça Seleta, marca do maior produtor do segmento no País, Antonio Rodrigues. O diretor comercial do empreendimento, Ednilson Machado, considera que além de proteger o consumidor de ser enganado, a indicação de procedência é positiva para o faturamento: “A certificação também nos aju­dou a alavancar ainda mais as vendas, pois a cachaça ganhou a garantia de ser diferencia­da e exclusiva”.

Nos primeiros pedidos, a entrega dos registros costumava demorar de dois a seis anos. No caso do selo do Cerrado Mineiro, o pedido ao INPI foi feito em 1999 e a en­trega em 2005. Cinco anos depois, visando aumentar a proteção dos cafés, a Federação dos Cafeicultores solicitou a Denominação de Origem, que foi entregue no início de 2014. Para a indicação de procedência de Salinas, a espera foi de três anos. Além do processamento dos documentos pelo INPI, a entrega depende de etapas que costumam ser demoradas, como a pesquisa sobre a relação entre a região e a produto. “Como a gente não sabia a cronologia dos fatos, ti­vemos que buscar muita informação”, diz o presidente da Apacs, Nivaldo Gonçalves, que contou com consultoria do Sebrae de Minas para fazer a caracterização do produto.

Fazer um levantamento detalhado das características culturais e técnicas do local de cultivo do produto é o segundo passo para o pedido da certificação. Principalmente nesta fase, é comum que as associações busquem a parceria de institutos ou universidades. Em Santa Catarina, um estudo do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia (Ciram) constatou que o clima dos vales de uva Goethe, no Sul do estado, é único no Brasil. Outros as­pectos típicos do modo de cultivo, como características botânicas e do solo, foram le­vantados pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A região, que abrange oito municípios, é a primeira do estado a obter a indicação de procedência – a partir deste ano, preparam-se para pedir a certificação os produtores de Mel Bracatinga e de Banana de Corupá. O selo foi obtido em 2012, pela associação ProGoethe, formada por repre­sentantes da agricultura familiar e do turis­mo local.

Propriedades endêmicas

Também a partir da parceria com univer­sidades, atualmente os produtores artesa­nais de Salinas avaliam as características ge­ográficas que influenciam no resultado final das cachaças. Uma pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) indicou a existência de cinco a seis leveduras endê­micas da região que podem estar associadas ao sabor típico da bebida. Já a Universidade Estadual Paulista (Unesp) pesquisa se há também influência do solo. Caso os estudos sejam comprovados, a Apacs dará entrada ao pedido de Denominação de Origem, que provavelmente será restrita a um território menor.

O terceiro passo para o pedido da cer­tificação é delimitar geograficamente a área e elaborar as regras de uso. O processo de padronização do modo de produção, que visa a garantir a qualidade do produto, pode ser feito em parceria com consultorias es­pecializadas na criação de patentes, como o Instituto Totum, que auxiliou os viticultores da ProGoethe. “São produtos que apresen­tam uma qualidade única, não somente em função de recursos naturais como solo, vege­tação, clima, mas também pela cultura local e pelo ‘saber fazer’”, explica Andréa Vargas dos Santos, consultora do Instituto Totem. Para receber o selo, cada safra deve atender aos critérios de acidez e de produção de uva por hectare, que não deve ultrapassar 20 hecta­res. O controle de qualidade é feito a cada safra com o auxílio da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) de Santa Catarina.

No caso dos cafés do Cerrado Mineiro, é exigida que a altitude mínima das lavouras seja de 800 metros acima do nível do mar e a espécie cultivada a Coffea arábica. A quali­dade é conferida a cada lote pela Federação dos Cafeicultores do Cerrado e deve obter no mínimo 75 pontos de acordo com a clas­sificação utilizada pela Associação Americana de Cafés Especiais (SCAA, na sigla em in­glês). Para o superintendente da federação, Juliano Tarabal, o controle de qualidade é essencial para consolidar o reconhecimento do produto certificado: “Se não houver um mecanismo de certificação rígido funcio­nando, não adianta para nada o registro do INPI.”

Uma iniciativa que visa incentivar a qua­lidade é a promoção de concursos entre os produtores locais. Lucio Velloso, cuja família cultiva há três gerações cafés especiais, ga­nhou em 2013 o primeiro concurso de cafés do cerrado mineiro com um lote que atingiu a pontuação de 88,8 de acordo com a SCAA. “Por serem bebidas especiais, estes cafés já têm uma valorização diferenciada. Os consu­midores modernos valorizam e pagam um valor extra pelas informações que garantem a forma como este produto foi produzido e pela origem do cerrado mineiro que é garan­tida pelo selo”, diz Lucio.

Além de garantir a origem de produtos já valorizados, a indicação de procedência pode ser uma boa estratégia para ampliar a visibilidade de produtos típicos menos conhecidos no mercado. O presidente da ProGoethe, Renato Damian, estima que nos dois anos de certificação, a comercialização dos produtos aumentou, em média, 20%. “Hoje é normal que os turistas cheguem à vinícola e peçam pelo vinho e espumante Goethe. Há 10 anos, isso não acontecia”, conta Damian que é também proprietário da vinícola Casa Del Nonno. No seu empre­endimento, o aumento das vendas chegou a 30%.

FONTE: Portal Empreendedor

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